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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um norte para a saúde amazônica: a edificação dos Hospitais Regionais

Quer saber o tamanho da Amazônia? É só aportar em uma das margens do rio-mar e tentar ver a outra. Quer saber se a Amazônia é bela? Então, meus caros, conheçam Alter-do-chão, próximo a Santarém, ou a cachoeira de Santo Antônio, no Estado do Amapá. Querem conhecer os problemas da Amazônia? Fácil. Basta ler o mais novo livro de fotografias de Pedro Martinelli, “Gente & Mato”, ou passar o mês do natal na casa de um ribeirinho. Querem saber como anda saúde da Amazônia? Basta consultar os dados sobre mortalidade do Ministério da Saúde (MS). É arrepiante!

Os dados revelam uma Amazônia que não se vê porque não se quer. Nela, o verde da floresta está desfigurado pelos cânceres e amarelada pela impregnação áurea da malária. Adiante se percebe que a cor alba aparece na exsangüinação dos esfaqueados. A Negra-cor e a cinzenta, contidas nos pulmões, ou vêm das carvoarias ou das grandes queimadas. Quando se misturam com sangue dos baleados, o produto é algo insano. Se insistir em duvidar, então conheça o Sul do Pará, onde mais se mata e se desmata. Lá é a porta dos fundos da Amazônia oriental e se abre para o país pela sua maior rodovia: Belém-Brasília. É o entra-e-sai da Amazônia pelo chão, a via mais fácil. Pelos rios é mais difícil, pois as viagens são longas e enfadonhas. Em compensação é mais propícia à veiculação de drogas que chegam do lado ocidental da floresta e vão para o lado ocidental do mundo.

Assim é a Amazônia: cheia de vícios e doenças. Tem câncer à vontade porque Amazônida fuma porronca como ninguém. Resultado: muito câncer de pulmão. Para conservar o pescado, por não dispor de geladeira utiliza sal, resultado: câncer de estômago, que só perde para o Japão. Tem-se pouca ou nenhuma sabedoria sobre asseio “das partes”, resultado: muito câncer de pênis e de útero. A água, riqueza maior, transmite infecção, e os “bacuris” acabam morrendo de diarréia. A violência é maior que nos grandes centros, sem deixar de acrescentar os escalpelados por motores de barcos, um típico traumatismo que só existe nos rios da Amazônia.

Mas como aliviar este sofrimento diante de uma Amazônia que além de desmatar, esconde mortes por violência e por outras doenças em números mais elevados que a média nacional? Será que os gestores de saúde não estão lendo os dados do MS?

Neste aspecto o governo paraense nos dá esperança. Mesmo tarde, soergueu peremptoriamente uma forma de se evitar tantas perdas humanas, construindo Hospitais Regionais de média e alta complexidade dirigidos por organizações sociais privadas. Foram diversos hospitais, em pontos estratégicos da geografia local. O Sul foi o mais beneficiado, mas no Oeste está o mais imponente de todos, o “Regional” de Santarém. Com uma estrutura física invejável, situa-se no cume da cidade e culmina com a necessidade de mais de um milhão de habitantes que dependem da política do SUS na região do Baixo Amazonas e Tapajós. Apesar de grande, o nosocômio de mais de 100 leitos não consegue dar conta, e tem uma taxa de ocupação próxima de 100%, o que não difere de Marabá, Altamira e Redenção, onde estão os demais. O mais diferente de todos, o Hospital Metropolitano, em Ananindeua, é destinado ao atendimento exclusivo de vítimas de violência na região metropolitana de Belém. Mas lá também faltam leitos.

A construção destes hospitais, assim como a metodologia administrativa, foi demonstração visionária da saúde na Amazônia. Formidável, mas ainda precisa ser mais bem compreendido pela sociedade local, que tem dificuldade de entender o conceito de “complexidade”. Um exemplo de tratamento de alta complexidade foi quando realizamos, em novembro, a extirpação de um câncer pulmonar no Hospital Santareno. O paciente obteve alta hospitalar precoce e todos ficaram espásticos com o que acontecera. Isto é apenas um exemplo conceitual, e não custa lembrar que o “Regional” está se preparando para cirurgias cardíacas e já realiza, rotineiramente, cirurgias neurológicas, oncológicas e vasculares com sucesso, além da cirurgia pulmonar exemplificada.

Uma das formas de se discutir tais feituras numa órbita acadêmica é realizar conclaves envolvendo profissionais e estudantes interessados. Recentemente o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), entre 12 e 15 de novembro, realizou ampla discussão num evento inédito realizado na capital paraense, cujo tema foi bastante sugestivo para a realidade da região: “Um norte para a cirurgia amazônica”. Lá se discutiu a relação do cirurgião com a sociedade e o indomável bioma amazônico. Convidados nacionais de expressão estiveram presentes, assim como cirurgiões de vários estados amazônicos. Entende-se assim a necessidade de se criar um espaço sem deixar transpassar os temas científicos clássicos.

Os Hospitais Regionais, assim, dão uma oportunidade de qualidade para interiorizar a cirurgia, mas os cirurgiões da capital insistem em se amontoar sob o Sol do equador, ou nas sombras das mangueiras, na vã esperança de que os planos de saúde e os hospitais locais lhe dêem a dignidade que tanto almejam. Ledo engano! É mais provável que antes caiam mangas em suas têmporas e lhe cause um trauma indelével.

Roger Normando (Professor de Cirurgia da Universidade Federal do Pará e Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário João de Barros Barreto-UFPA.)

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